Horta comunitária: exemplo do Espírito Santo para o mundo

Fotos: Acervo Pessoal

Moradores do Centro de Vitória transformam rua abandonada em horta comunitária

Bruno Faustino – Vitória

Anúncio

Cenoura, beterraba, alface, taioba, almeirão, couve, melissa, cidreira, capim cidreira, confrei, alecrim, salsa, cebolinha, coentro, manjericão… Tudo fresquinho e direto da horta para a mesa de casa. Hoje, quem vê a Horta Comunitária Urbana Quintal da Cidade, no Centro de Vitória, nem imagina como era o local anos atrás.  

Anúncio

“Isso aqui era uma rua com muito mato e entulho. As pessoas descartavam lixo aqui e nunca teve o olhar do poder público para este espaço”, conta a assistente social Duda Bimbatto.

Esta era a realidade da Rua Rubens José Vervloet, na Cidade Alta, capital capixaba. Atualmente, a mesma rua ganhou vida e o colorido das plantas graças à união dos moradores. 

“A gente se mudou para cá em 2014 e fizemos um canteiro na frente de casa, como forma de ter um temperinho fresco sempre à mão. Começamos assim a cuidar, por conta própria, do espaço. Lemos e pesquisamos um pouco sobre hortas comunitárias, um movimento que tem ganhado espaço em todo o Brasil e também no mundo. Aí, vimos a possibilidade de articular a comunidade, sensibilizar as pessoas para essa ocupação, uma ocupação verde. E deu certo”, explica Duda.

Aos poucos, as pessoas foram chegando e, hoje, a horta é um sucesso. “Aqui tem esforço e trabalho coletivo. Temos diversas espécies de plantas medicinais, alimentícias e ornamentais. Nossa primeira contagem deu, aproximadamente, 196 mudas plantadas”, diz o consultor Luiz Moraes, um entusiasta da horta.

A Revista Negócio Rural foi até o local para conhecer o trabalho da comunidade. E não estávamos sozinhos. A cabeleireira Dirlene Antônia da Silva também ficou sabendo da existência da horta e correu para visitá-la. “O meu marido passou de moto e viu a horta. Quando chegou em casa, disse: ‘Dirlene, tem uma horta comunitária aqui no Centro’. Eu falei: ‘Sério?’. Ele falou: ‘Tem. Vou te levar lá!’. Aí eu vim conhecer e fiquei encantada. Eu adorei”, revelou.   

Atualmente, 12 famílias trabalham na horta e todo mundo compartilha os afazeres, não importa a idade. “A gente tenta envolver o maior número possível de pessoas: pai, mãe e os filhos participam também, já que existem cuidados diários e semanais. Os trabalhos maiores, a gente faz em mutirões quinzenais. Nestes mutirões, refazemos canteiros e limpamos a horta”, conta a idealizadora da horta, Duda Bimbatto. 

“A nossa adubação é toda orgânica. Temos uma composteira e um minhocário”

Duda Bimbatto – Idealizadora

CONHECIMENTO – Quem quer conhecer um pouco mais sobre hortas e alimentação saudável pode pesquisar na ‘Hortoteca’ – uma biblioteca montada numa geladeira que fica à disposição da comunidade. “Horta também é conhecimento. Isso aqui é conhecimento de alimentação. Nós não vivemos sem comer. E essa alimentação nossa é uma alimentação pura, sem veneno. Aqui, além da comida, temos conhecimento”, conta a pedagoga aposentada Maria José Siqueira. 

Todos os temperos, hortaliças, ervas medicinais e verduras são cultivados sem o uso de agrotóxicos. “A nossa adubação é toda orgânica. Temos uma composteira e um minhocário. Então, tiramos o húmus e o extrato vegetal da própria horta. A ideia é que ela mesma forneça os próprios nutrientes. Mas a gente também traz esterco natural de fora para enriquecer a terra”, explica Duda.

Nem parece, mas a rua abandonada se transformou numa linda horta comunitária

EXEMPLO – A horta já virou referência para outras comunidades do Espírito Santo. Até uma equipe da ONU já visitou o lugar para conhecer o trabalho dos moradores.

“A gente recebe visitas de escolas e equipes das Unidades de Saúde para conhecerem e replicarem o trabalho em outras comunidades. Já esteve aqui uma delegação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) com representantes de 12 países da América Latina e América Central. Eles vieram conhecer o trabalho, justamente por causa da inovação, no sentido do cuidado de um espaço urbano por um grupo de pessoas e por estimular esse trabalho comunitário que a gente perdeu quando viemos morar nas cidades”, diz a idealizadora. 

“Aqui, nós plantamos sementes e colhemos generosidade, harmonia, amizade e serviço coletivo”

Luiz Moraes – Consultor

Mais que uma simples horta, a ‘Quintal na Cidade’ é um investimento afetivo. A grande maioria da comunidade vestiu a camisa. “Não só a comunidade do entorno, mas a comunidade do Centro de Vitória como um todo. As pessoas estão envolvidas. Isso é muito positivo e muito bom. Aqui, nós plantamos sementes e colhemos generosidade, harmonia, amizade e serviço coletivo. Colhemos essas coisas que o mundo está precisando. Mais que hortaliças e temperos, aqui colhemos amizade”, finaliza o consultor Luiz Moraes.

Benefícios das hortas urbanas

A prática da agricultura urbana é hoje uma atividade incentivada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (ONU/FAO) como estratégia de aumento da resiliência das cidades e adaptação às mudanças climáticas, além de ser um importante elemento na segurança alimentar da população. 

O estudo Estado do Mundo – Inovações que Nutrem o Planeta, publicado pela Worldwatch Institute (WWI), estima que dentre as 800 milhões de pessoas no mundo que se dedicam à agricultura urbana, 200 milhões produzem alimentos para vender nos mercados e empregam até 150 milhões de pessoas. Segundo o estudo, calcula-se que até 2020, entre 35 e 40 milhões de africanos que vivem nas cidades “dependerão da agricultura urbana para suprir suas necessidades alimentares”. Na prática, isso pode representar até 40% da ingestão diária recomendada de calorias e 30% das necessidades de proteínas.

A história da agricultura urbana é longa e sempre esteve relacionada ao aumento da segurança alimentar e ao combate à fome, principalmente em épocas de guerras e conflitos. A publicação da WWI mostra que pesquisas realizadas em 24 cidades da África e da Ásia, no final dos anos de 1990, revelaram que “famílias pobres que praticavam a agricultura urbana faziam mais refeições e tinham uma dieta mais balanceada do que as outras pessoas”. Em Kampala, capital de Uganda, dados da década de 1990 indicam que as crianças de famílias agricultoras eram mais bem nutridas do que aquelas que não pertenciam a famílias agricultoras.

Segundo informações da FAO, as famílias urbanas pobres gastam até 80% da sua renda em alimentos, o que as torna muito vulneráveis quando os preços dos alimentos sobem ou o seu rendimento diminui. A FAO estima que, após a inflação mundial dos preços dos alimentos de 2007-2008 e a recessão econômica que se seguiu, o número de pessoas que sofrem de fome crônica no mundo aumentou pelo menos 100 milhões, para mais de 1 bilhão de pessoas. O maior aumento ocorreu entre a população urbana pobre, as mulheres e as crianças.

A segurança alimentar nunca esteve tão presente na ordem do dia. Um componente importante é o acesso a alimentos nutritivos. Na África e na Ásia, as famílias urbanas gastam até 50% do seu orçamento alimentar em produtos preparados baratos, muitas vezes carentes das vitaminas e minerais essenciais para a saúde.

Conheça os benefícios das hortas urbanas: 

  • Reduzem as ilhas de calor – a inércia térmica da água presente nas plantas e a própria terra de cultivo faz com que a horta absorva calor, reduzindo as flutuações de temperatura.
  • Melhora a qualidade do ar – à noite, a folhas fazem fotossíntese, liberando oxigênio.
  • Absorvem o ruído – diferentemente do cimento, as plantas conseguem absorver os sons.
  • Reduzem o risco de inundações – a terra é capaz de reter a água da chuva no momento em que cai, aliviando as galerias urbanas sobrecarregadas pela baixa permeabilização do solo urbano.
  • Reduzem a contaminação em todo processo – contaminação de terras, fluxo nas estradas, gastos e desperdício dos mercados.
  • Destino de resíduos orgânicos – os resíduos de alimentos e vegetais que causam problemas na logística de caminhões de lixo nas cidades podem se transformar no melhor nutriente possível para uma horta, por meio do processo de compostagem.
  • Alternativa econômica – plantar uma horta própria é mais barato que ir ao mercado. Pode também converter-se em uma atividade econômica, e eventualmente pode gerar uma grande transformação social em comunidades de renda baixa.
  • Melhora a qualidade alimentar – os alimentos orgânicos são mais nutritivos. Além disso, facilitam a capacidade de encontrar alimentos alternativos.
  • Durabilidade – apesar do que dizem os vendedores de geladeiras, as plantas ficam vivas muito mais tempo sem se deteriorar.
  • Promove-se uma maior biodiversidade – as plantas se relacionam entre si e com insetos, o que possibilita o desenvolvimento da fauna e da flora locais, essencial para reduzir as possíveis interferências de pragas.
  • Promove a convivência entre usuários e vizinhos – a horta é um espaço público ideal para o encontro comunitário.
  • Integração com a natureza – Ver uma planta crescer e estar perto dela aumenta o contato com o ritmo natural do universo, o que inclui o ritmo de vibração natural do corpo.

Fonte: ONU/FAO

Construa sua própria composteira

Todos os dias são produzidos quilos e mais quilos de lixo orgânico nas residências. No Brasil, cada pessoa produz, em média, um quilo de lixo por dia. Somando toda a população, isso dá cerca de 78,3 milhões de toneladas de rejeitos em apenas um único ano. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) aponta que a maior parte desse lixo doméstico é de matéria orgânica, como restos de alimentos, cascas de frutas, folhas de plantas e até pedaços de madeira.

PASSO-A-PASSO – Que tal aproveitar tudo isso para a produção de adubo para a sua horta em casa? A Revista Negócio Rural vai te ajudar. Primeiro é importante entender o que é a compostagem. Ela é uma técnica de transformação, por meio da ação de micro-organismos e minhocas, de matéria orgânica em um composto rico em húmus e nutrientes minerais (como carbono e nitrogênio). 

Sua finalidade é dar destino sustentável ao que seria lixo comum, evitando danos ao meio ambiente e ainda produzindo adubo e fertilizante naturais. Pode ser realizada tanto em casa, usando restos de alimentos de consumo doméstico, como na agricultura para a produção de adubo orgânico.

Há inúmeras formas de construir um sistema caseiro de compostagem. Em geral, a maioria envolve o uso de três recipientes verticalmente interligados (ideal são caixas plásticas, mas que podem ser baldes, garrafas ou potes grandes), terra preta e, opcionalmente, minhocas (agentes que aceleram a decomposição). A única ferramenta necessária é uma furadeira. 

Os dois recipientes superiores são chamados de “caixas digestoras”. É nelas que o processo de descarte de material orgânico e decomposição é feito. Elas devem possuir furos na base (de cerca de 1 cm), e outros menores nas laterais e na tampa para ventilação. O terceiro recipiente será o responsável pela coleta do chorume resultante da produção de húmus. De cor escura, o líquido pode ser utilizado como fertilizante para plantas, após ser diluído em água (em uma proporção de 1:10). Por isso, recomenda-se a instalação de uma pequena torneira na lateral inferior da caixa.

CUIDADOS – Mantenha sua composteira em um local arejado e protegida do sol. Na caixa do topo, cubra o fundo com terra preta. Em seguida, coloque as minhocas (recomenda-se o uso das conhecidas como “minhocas vermelhas” ou “californianas”). 

A partir desta etapa, basta acrescentar constantemente os restos de alimentos picados (veja abaixo o que pode e o que não pode) em pequenos montes na base da caixa, sem nunca deixar de cobri-los proporcionalmente com o dobro de matéria “marrom” (folhas, gramas e palha secas, além de serragem, papelão, jornal). Isso evita a atração de insetos e garante o equilíbrio de nitrogênio e carbono. 

Após completar a caixa digestora do topo, troque-a de lugar com a caixa digestora do meio e repita o processo. Passado cerca de um mês, o trabalho de decomposição e produção de húmus pelas minhocas já deve estar concluído na primeira caixa. 

Para coletar o adubo sem perder as minhocas (muitas delas já terão migrado para a caixa superior em busca de novos alimentos), coloque a caixa no sol (como não gostam de luz, elas irão para o fundo) e “raspe” o húmus tomando cuidando para não remover a camada inicial de terra preta. Agora basta trocar de lugar com a caixa de cima e recomeçar o ciclo. O chorume deve ser coletado regularmente.

Posted in ,

Bruno Faustino

Deixe uma resposta