O campo também assedia

Nelson Moreira

Agência de Notícias Agropress

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Maria R* trabalha de doméstica em casa de família. É mais uma moça que saiu do interior para a capital em busca de uma vida diferente. Estudar em escolas melhores e emprego. Poderia ser uma história comum de uma pessoa que sai de sua família para “tentar a sorte na cidade grande”. Mas Maria R* é, na verdade, parte de um grupo de mulheres que “foge” de casa para evitar algo que é “comum” de acontecer no campo: o assédio sexual contra mulheres. 

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Na primeira década dos anos 2 mil, um produtor rural do sul do Brasil realizou um projeto social na sua região onde preparava jovens saídos do ensino fundamental para entrarem no mercado de trabalho, dentro das propriedades rurais. No segundo ano do projeto a turma foi formada somente por moças. Segundo o produtor, para que elas tivessem um futuro diferente do que normalmente acontece com elas. 

O que ele se referia é ao fato de que muitas jovens, ao crescerem passam a ser fortemente assediadas ou mesmo abusadas por pais ou parentes com a complacência e o silêncio das mães. E, ao final, para “quebrar” esta “maldição”, só resta fugir para outra cidade, mesmo que isto represente abandonar todas as suas relações familiares. 

O viver em lugares remotos, a distância de centros urbanos, poucas opções de trabalho, levam em geral às mulheres a funções repetitivas de cuidar de tudo da casa, dos filhos, maridos, irmãos, pais, além das lidas do campo junto aos homens, enquanto os homens vão para o trabalho do campo. É um círculo vicioso que geralmente é pouco falado ou dito em alto e bom tom para que todos possam conhecer esta realidade. 

Hoje, quando no “mundo urbano” é falado aos quatro ventos contra o assédio sexual, onde campanhas são feitas e quando há todo um movimento de mulheres do Agro para sua valorização, ainda se percebe um esquecimento sobre certos temas que acontecem com grande freqüência no campo. Olhar para esta “chaga” é enfrentar um trauma silencioso que assombra as mulheres no campo.  

E este assédio, além de muitas outras formas de violência, também acontece contra mulheres que vão trabalhar no campo, como veterinárias, zootecnistas, técnicas agrícolas, etc. Incluir estas mulheres nas várias campanhas que são feitas, é uma questão de justiça social. É uma necessidade, é uma urgência, para evitar que muitas Marias R* tenham suas vidas destruídas por um “costume” cultural.

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