Comércio Justo incrementa a renda de cafeicultores em cooperativa capixaba

Texto: Julio Huber / Fotos: Julio Huber e Divulgação / Vídeos: Julio Huber

Nas últimas décadas foi visível a migração de filhos de agricultores para as cidades. Mas, ultimamente tem se notado o maior interesse de jovens pela produção rural. Entre os fatores estão o aumento das facilidades no campo, como a inclusão das tecnologias, a maior produção em pequenas áreas e o aumento da rentabilidade.

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E esse interesse pelo meio rural, principalmente quando se trata da agricultura familiar, é ainda maior entre as famílias de agricultores que fazem parte de uma das diversas cooperativas rurais presentes no Brasil. A reportagem do Montanhas Capixabas foi até Muqui, no Sul do Espírito Santo, conhecer o trabalho desenvolvido pela Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul), que incentiva ainda mais os seus cooperados, por meio de um programa único no Estado.

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A Cafesul é a única cooperativa da América Latina que pratica o Comércio Justo para a venda de café conilon. E desde que a cooperativa começou a atuar em sete municípios da região Sul do Estado, não apenas as famílias dos cafeicultores passaram a ganhar mais e de forma justa, mas as cidades tiveram um incremento na arrecadação.

Mas, o que é o Comércio Justo? Quem explica é a colombiana Sara Becerra, que já atuou na Coordenadora Latino-Americana e do Caribe de Pequenos Produtores e Trabalhadores do Comércio Justo (Clac), e que atualmente é embaixadora da entidade, que é uma das coproprietárias do sistema Fairtrade International. Ela está conhecendo associações e cooperativas que trabalham com essa forma de comercialização no Brasil, e esteve em Muqui, conhecendo a Cafesul.

“As organizações certificadas com o selo Fairtrade (como a Cafesul) recebem um preço mínimo internacional pela exportação. Essa é a maior certificação do Comércio Justo em todo o mundo. Para o café, por exemplo, a Fairtrade estabeleceu um preço mínimo acima do que é praticado pelos mercados internacionais das bolsas de valores. Atualmente, o café está cotado a cerca de US$ 1,00 por libra peso, e a Fairtrade estabeleceu o mínimo de US$ 1,40 por libra peso para os cafés do Comércio Justo”, explicou.

Dessa forma, os cooperados com certificado Fairtrade recebem esse preço mínimo, acima do mercado convencional. Mas, se o preço de mercado for maior que o estabelecido pelo Fairtrade, eles podem negociar a produção. “Esse é um movimento social global que busca promover padrões de produção, de comercialização e de consumo responsáveis e sustentáveis. A ideia é assegurar um contato direto entre quem produz e quem consome os alimentos, com condições de trabalhos dignos aos produtores e promovendo o associativismo deles”, disse Sara.

O presidente da Cafesul, Carlos Renato Theodoro, contou por que os produtores que comercializam pelo Comércio Justo conseguem um valor acima do praticado pelo mercado tradicional. Segundo ele, é preciso atender regras sociais e ambientais para ser beneficiado pelo Comércio Justo.

RETORNO SOCIAL – Além disso, conforme conta Sara Becerra, as organizações que fazem parte do Comércio Justo recebem a ‘prima’, que é um valor anual para ser investido em ações sociais nas comunidades onde atuam. A maioria investe em programas educativos, de saúde, de meio ambiente e de inclusão.

A Cafesul, por exemplo, utiliza os recursos em prol dos 164 cooperados dos sete municípios onde atua. Carlos Renato conta o que é feito com esse recurso. “Parte do valor que recebemos é destinado ao Plano do Desenvolvimento do Comércio Justo, que consiste no planejamento das ações a serem feitas com os recursos provenientes da comercialização, outra parte vai para nossos custos administrativos, como os técnicos que contratamos para acompanhar os cooperados, e parte é destinada a projetos ambientais e sociais”, contou.

O presidente da Cafesul detalhou sobre alguns dos programas que foram feitos por meio da premiação anual que a cooperativa recebe. “O concurso de qualidade de café, que estamos na 7ª edição, é um exemplo de uma ação que incentiva a qualidade dos cafés produzidos. Hoje somos referência no Estado em qualidade. Na área ambiental, usamos recursos para a construção de caixas secas (armazenamento de água) e proteção de nascentes nas propriedades, montamos um viveiro de mudas, entre outras ações”, destacou.

Fairtrade garante mais dinheiro no bolso do produtor e movimenta a economia

Uma forma de os municípios terem uma maior participação na divisão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) arrecadado no Estado é por meio da emissão de notas de produção agrícola, que é o bloco do produtor rural. E em municípios do Sul do Estado, como conta o presidente da Cafesul, Carlos Renato Theodoro, até o ano de 2002 havia muita sonegação fiscal relativa à produção de café, e as cidades deixavam de ter uma participação maior na divisão do ICMS.

“Nessa época, um dos principais problemas enfrentados era a sonegação fiscal. A maioria do café produzido nos municípios aqui da região eram guiados como se tivessem sido produzidos no Rio de Janeiro. E isso fazia com que os municípios produtores de café aqui da região deixassem de receber impostos por meio da divisão do ICMS”, contou.

De acordo com Carlos Renato, teve um ano em que o Rio de Janeiro, que faz divisa com municípios do Sul do Espírito Santo, chegou a comercializar três milhões de sacas de café conilon, mas não havia produção de conilon no Estado vizinho. A operação de sonegação fiscal gerava um crédito de ICMS para as empresas compradoras e, com isso, essas empresas tinham mais poder de negociação do café produzido no Espírito Santo.

MUDANÇA – Segundo Carlos Renato, essa realidade começou a mudar a partir da atuação da Cafesul, que passou a comercializar mais café e também proporcionar um melhor preço aos produtores. Depois que a cooperativa obteve o selo Fairtrade, em 2008, mais benefícios começaram a surgir.

Além dos benefícios para o meio ambiente, já que o produtor precisa produzir atendendo a diversas regras ambientais, o consumidor também ganha, pois adquire um produto mais natural. Mas, na parte econômica, a venda de cafés pelo sistema Fairtrade faz com que sobre mais dinheiro para os cafeicultores. Um deles é o agricultor em Serra da Aliança, em Muqui, Henrique Augusto Rosino, 63 anos.

“Eu tenho uma produção bem natural e não uso agrotóxicos. Já vendi meu café para o exterior a um preço bem melhor que o praticado no mercado convencional. E isso só foi possível porque a Cafesul faz parte do Comércio Justo. Vendemos muito bem vendido e todo mundo sai ganhando. Ganhamos nós, ganha a cooperativa e ganha o comércio da nossa cidade, pois é mais dinheiro circulando”, afirmou.

Sócio fundador da Cafesul, o cafeicultor Luiz Cláudio Souza, 63, garante que a cooperativa contribui com a economia regional. “A Cafesul comercializa todo o café com transparência e com notas fiscais. E maior a produção, melhor o preço e mais dinheiro, significa mais empregos e uma maior contribuição com toda a região”, acredita Luiz Cláudio.

Ele também destaca as vantagens da Fairtrade. “Essa certificação proporciona uma produção mais sustentável, com os cuidados com o meio ambiente que são exigidos, e conseguimos um acréscimo no valor, já que esse café tem um reconhecimento no mercado exterior. Antes tínhamos que vender para o mercado convencional, mas a cooperativa garante o preço mínimo e melhores possibilidades de negócios. Esse é o futuro”, enfatizou.

Colombiana se encanta com as lavouras de café conilon

Nascida na Colômbia, Sara Becerra é formada em Negócios Internacionais na Colômbia e mestre em Ciências Ambientais por uma universidade da Alemanha, onde ela conheceu o sistema Fairtrade. “Minha tese de mestrado foi sobre cafés sustentáveis do Peru, quando me apaixonei pelo café e pelo campo, pela agricultura no geral. Fiz alguns contatos e comecei a trabalhar na Clac, em El Salvador”, contou. Ela revelou que vai dedicar sua vida à agricultura familiar, inclusive pode vir a fazer doutorado sobre o tema, incluindo aquilo que está conhecendo no Brasil.

Sua passagem pelo Brasil servirá para que a Fairtrade conheça algumas das famílias beneficiadas pelo Comércio Justo, como a do casal Maria e José do Carmo Silva, em Muqui. “A Clac quer também comunicar essas histórias, pois é importante ver como as condições de vida das pessoas podem ser melhoradas através das relações justas e preços justos, e colocar no centro de tudo isso as pessoas e o meio ambiente”, destacou Sara.

A embaixadora voluntária da Clac ainda enfatizou como o sistema de Comércio Justo tem mudado a vida de pessoas em várias partes do mundo. “É claro como o Comércio Justo ajuda no desenvolvimento econômico, social e ambiental das regiões onde está inserido, e isso também pode ser visto aqui no Espírito Santo”.

Ela contou que foi a primeira vez que experimentou o café conilon puro, pois ela conhecia apenas o arábica. “Estou muito surpresa e gostei muito da qualidade do café que experimentei. Todos estão de parabéns. Estou encantada”, afirmou. Sara também está aproveitando sua passagem pelo Brasil para praticar a língua portuguesa e para fazer um curso de barista em Minas Gerais.

Novas técnicas incentivam maior produção de café na região

Quando a Cafesul começou a atuar na região Sul do Espírito Santo, a partir do ano 2002, iniciou-se, também, um acompanhamento técnico e os produtores eram orientados sobre como produzir mais na mesma área cultivada. O presidente da cooperativa, Carlos Renato Theodoro, explica que uma das técnicas utilizadas logo no início foi a poda dos pés de café.

“Quando os primeiros cooperados começaram a fazer as podas em suas lavouras, vizinhos os chamavam de loucos. Hoje, todos os agricultores, inclusive os que não são cooperados, podam suas lavouras anualmente. Essa e outras técnicas implantadas fizeram com que a produção na região passasse de 20 para uma média de 40 sacas por hectare. Só isso já é um ganho para os cafeicultores”, conta Carlos Renato.

O técnico agrícola Igor Machado de Oliveira, que atende a famílias cooperadas da Cafesul, explica a importância do trabalho de campo para o aumento da produtividade das lavouras.

“Entre os cooperados, temos aqueles que se dedicam mais a produzir cafés com mais qualidade. Esses trabalham com maior cuidado no manejo das lavouras, na renovação dos plantios, com trabalho de podas e empregam técnicas mais modernas. Na verdade é um pacote tecnológico, que vai desde o preparo da terra para o plantio, até a colheita e o beneficiamento dos grãos. Com esses produtores, a atenção é ainda maior”, destaca Igor.

De acordo com o técnico, em algumas propriedades, onde a produção não era suficiente para sustentar uma família, hoje a realidade é outra. “Com a mudança de alguns conceitos, como na escolha de variedades mais produtivas e uma condução orientada das lavouras, os produtores conseguiram aumentar a produtividade. Além disso, com a produção de cafés com alta qualidade, conseguiu-se agregação no valor do café. Com isso, muitas famílias conseguiram segurar filhos nas propriedades”, afirmou Igor.

Jovens desistem de abandonar a propriedade

Após o início da atuação da Cafesul, em sete municípios da região Sul do Espírito Santo, muitas famílias, que até então poderiam ver suas propriedades serem abandonadas pelos filhos, passaram a não se preocupar mais com o êxodo rural, já que a produção agrícola se tornou mais atrativa entre os jovens.

Um dos exemplos é o da família do casal Maria José Lopes Rodrigues da Silva, 54, e José do Carmo Silva, 55. Eles têm três filhas: uma se casou e está morando na cidade, Ralcyara Rodrigues Silva, 23, que está com eles na propriedade, e Raryane Rodrigues Silva Ferreira, 21, que iria abandonar a roça para morar na cidade, mas mudou de ideia incentivada pelos pais e pela cooperativa.

José do Carmo Silva conta que uma propriedade que atualmente poderia estar abandonada, hoje é cuidada pela filha e pelo marido dela. “É um orgulho muito grande. A minha filha estava realmente saindo da propriedade. Eu já tinha oferecido um plantio de goiaba, para ela fazer o dinheiro dela, mas ela queria mesmo era ir para a cidade. Foi quando a Cafesul me chamou para fazer algumas viagens e eu falei para a minha filha ir junto. A partir daí, ela se interessou mais e hoje comanda uma propriedade, que estaria abandonada se não fosse ela e o marido dela estarem cuidando das lavouras”, contou.

Hoje, a jovem Raryane não pensa mais em deixar de produzir café. Ela conta que mudou de ideia depois de fazer algumas viagens por meio da cooperativa para cidades brasileiras e até para o Paraguai. Raryane se casou e toma conta de uma propriedade da família.

Ela também manda um recado para os jovens, que assim como ela, pensam em abandonar as propriedades rurais para morar na cidade.

Outro exemplo é do presidente da Cafesul, Carlos Renato Theodoro, que após sair da propriedade para estudar e ter chegado a trabalhar em grandes empresas capixabas e até de outros estados, voltou para Muqui, onde retomou os trabalhos da propriedade da família, após a morte de seu pai, e hoje não pensa em atuar em outra atividade.

“Eu saí para estudar no Sul de Minas Gerais, onde fiz curso técnico, e de lá fui direto a Vitória para trabalhar durante três anos. Depois fui ao Rio de Janeiro, onde fiquei quatro anos fazendo faculdade e trabalhando. Retornei ao Estado e comecei a trabalhar na Vale, onde fiquei por 12 anos. Quando meu pai faleceu, voltei pra Muqui para ajudar a minha mãe e montei um laticínio”, contou Renato.

Segundo ele, nesse período ele começou a se envolver com a cooperativa, que foi fundada em 1998, mas que não funcionava efetivamente. Foi então que ele e mais outros produtores resolveram arregaçar as mangas e reativar a cooperativa, no ano de 2002. Hoje ele tem produção de café.

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