ESPECIAL: quilombolas, pescadores e ribeirinhos melhoram de vida por meio da produção de mel no Norte capixaba

Bruno Faustino / Espírito Santo

O mel é um alimento apreciado desde a antiguidade. Os registros mais antigos datam de 8 mil a.C.. Pinturas rupestres em Cuevas de Las Arañas, sítio arqueológico na Espanha, mostram o alimento sendo consumido pelas antigas civilizações. Hoje, o mel está presente em nosso dia a dia, seja no café da manhã acompanhando torradas, seja no almoço, no jantar ou em variadas preparações doces e salgadas.

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Mas, nada disso seria possível sem o trabalho das abelhas. Elas coletam o néctar das flores e o armazenam no abdômen. No caminho para a colmeia, o néctar passa por reações enzimáticas que quebram seu açúcar. Logo depois, a abelha deposita essa substância nos favos, onde o néctar passa pelo processo de regurgitação e remoção do excesso de água, até formar o mel.

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Ao longo dos anos, o homem conseguiu domesticar as abelhas, aumentar a produção de mel sem causar danos às colmeias e transformar a atividade numa profissão: a apicultura. 

A China é o país que mais produz mel no mundo, responsável por 29,2% do volume total. O Brasil vem em 11º lugar, com 2,2% da produção, algo próximo de 41.500 toneladas. Os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Piauí, São Paulo e Minas Gerais são os maiores produtores brasileiros de mel, mas a atividade vem se desenvolvendo também em outras regiões do país.

No Espírito Santo, há em torno de 1.200 produtores envolvidos na atividade, que recebem assistência técnica do Instituto Capixaba de Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). A produção anual de mel no Estado é de mil toneladas. A produtividade média capixaba de uma colmeia é de 25a 30 quilos de mel.

Ao todo, existem 19 associações capixabas de apicultores. Uma delas fica em Conceição da Barra, norte do Estado, próximo da divisa com a Bahia: a Associação de Apicultores Barrense (AAPIB). Formada em 2014, a associação reúne quilombolas, pescadores, agricultores familiares, ribeirinhos e assentados de reforma agrária.

Foto: Divulgação

Quilombolas, pescadores, agricultores familiares, ribeirinhos e assentados de reforma agrária se unem, formam associação e melhoram de vida por meio da produção de mel no Norte capixaba

 “Conhecemos a apicultura por meio de um projeto de uma indústria de celulose que atua aqui no norte capixaba, uma vez que o município de Conceição da Barra tem um potencial muito grande para o desenvolvimento da atividade. Aqui temos eucalipto, café, o mangue, ou seja, uma vegetação nativa bem diversa e apta para a criação de abelhas e a produção de mel”, conta Marcílio Carvalho Campos, fundador da associação.

CAPACITAÇÃO – Reunir o grupo foi apenas o primeiro passo, mas os “futuros apicultores” precisavam aprender sobre a criação de abelhas na teoria e na prática. Afinal, este era um universo novo para eles.

“Nós começamos a trabalhar com a turma assim que a associação foi formada. E, vendo agora, percebo que foi um processo de crescimento. Primeiro fizemos uma capacitação básica de conhecimento de apicultura, como mexer com abelhas, caixa de mel e roupas apropriadas”

Arno Wieringa, que é presidente da Federação Capixaba das Associações de Apicultores (Fecapis)

Arno contou que só depois foi colocado tudo em prática. “A prática, que nada mais é do que aplicar o conhecimento em campo. E eles aplicaram bem. Hoje, prestamos assistência técnica a eles. Porque a parte produtiva eles já desempenham sozinhos”, relata.

A produção de mel está relacionada à preservação do meio ambiente e, no norte capixaba, ela acontece no meio do manguezal, ou seja, as abelhas dividem espaço com os caranguejos e guaiamuns nativos da região. Em cinco anos, a associação aumentou quatro vezes a produção de mel na região e dobrou a quantidade de colmeias.

Para beneficiar a produção e agregar valor ao mel produzido, os apicultores de Conceição da Barra montaram uma agroindústria e conquistaram o registro do Serviço de Inspeção Agroindustrial de Pequeno Porte (Siapp), possibilitando a venda do produto em todo o território capixaba.

“A AAPIB foi a primeira associação a entrar com o pedido do registro do Siapp para legalização da sua produção. Para nós, do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), isso foi muito importante porque tivemos a oportunidade de mostrar a importância deste trabalho e, com isso, proporcionar aos associados agregação de valor ao mel produzido por eles e melhoria de renda também”

Anderson Teixeira Baptista, da gerência de Agroindústria de Pequeno Porte do Idaf

As conquistas dos apicultores do norte capixaba já refletem no cotidiano da comunidade. Hoje, o sustento das famílias vem das abelhas. “Falar de abelha é muito fácil. Produzir mel é muito prazeroso. A gente quer agradecer a Deus por ter chegado até aqui”, conta o apicultor Gerson Graças Santos.

E os planos para os próximos anos são desafiadores. Pensa que eles irão desistir? Não mesmo! “Eu vejo a nossa associação com um futuro bem promissor, uma vez que nossos associados são bem comprometidos e engajados na causa. O que esperar daqui pra frente? Queremos aumentar nossa produção e se tornar referência na produção de mel na nossa região. Este é o nosso objetivo”, finaliza Douglas Conceição Lopes, presidente Associação de Apicultores Barrense.

Pandemia faz aumentar a procura por mel e derivados

Nos últimos meses, devido à pandemia do coronavírus (Covid-19), cresceu a procura em todo o Brasil por mel, própolis e pólen, que são importantes aliados no fortalecimento do sistema imunológico do corpo. No Espírito Santo não foi diferente. 

“A própolis é um produto oriundo de substâncias resinosas, gomosas e balsâmicas, colhidas pelas abelhas, retiradas de brotos, flores e exsudatos de plantas (líquidos orgânicos que saem das plantas), nas quais as abelhas acrescentam secreções salivares, cera e pólen para elaboração do produto final”, informou Arno Wieringa, presidente da Fecapis.

Além de o mercado interno nacional estar aquecido, a alta do dólar também influencia no preço do mel exportado por empresas nacionais. “Esses fatores estimulam a produção. O pequeno produtor rural pode ter a produção de mel cada vez mais como uma excelente forma de incremento da renda”, enfatizou Arno.

Ele destaca que a principal forma de identificar um mel de qualidade é verificar se há um selo de inspeção no rótulo. “Eu sempre digo que comprar mel requer juízo. É preciso comprar um produto certificado e não adquirir algo sem procedência, muitas vezes vendido perto de estradas e ilegalmente por sacoleiros. Esse é o primeiro passo, e o principal, para ter um mel de qualidade. Como em todos os produtos, é preciso conhecer quem produz. O consumidor está cada vez mais exigente, e isso força também a produção legalizada”, disse.

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Bruno Faustino

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