Iniciativas mostram produtores rurais capixabas engajados na preservação do meio ambiente

Texto: Bruno Faustino / Foto: Divulgação

O Brasil possui cerca de 12% da disponibilidade de água doce do planeta. Mas, a distribuição natural desse recurso não é equilibrada. A região Norte, por exemplo, concentra, aproximadamente, 80% da quantidade de água disponível, mas representa apenas 5% da população brasileira. Já as regiões próximas ao Oceano Atlântico possuem mais de 45% da população, porém, menos de 3% dos recursos hídricos do País, segundo a Agência Nacional das Águas (ANA).

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Nas últimas décadas, o desmatamento das encostas, matas ciliares e o uso inadequado do solo contribuíram para a diminuição dos volumes e da qualidade da água, um bem insubstituível. Por isso, a preservação das nascentes é tão importante.

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“A única forma de você tentar reter água seria através da preservação das áreas de carga, ou seja, as nascentes”, afirma o professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), João Batista Kefler Pinotti.

A água que chega às cidades depende, e muito, das ações de preservação realizadas no campo. Quando isso não acontece, os efeitos são sentidos na pele. No Espírito Santo, os municípios de Colatina, Itarana, Itaguaçu, Afonso Cláudio, São Roque do Canaã, Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá e Mantenópolis voltaram a enfrentar o racionamento de água, situação vivida pelos moradores há pouco mais de quatro anos, quando o Estado enfrentou a pior seca dos últimos 80 anos.

De acordo com a Companhia Espírito-santense de Saneamento (Cesan), as condições dos rios que cortam os municípios estão bem abaixo do ideal para captação, tratamento e distribuição. Por este motivo, foi adotado o sistema de rodízio no fornecimento de água nessas localidades.

PRESERVAÇÃO – Boa parte das cidades afetadas pela seca está no Noroeste do Estado. Elas fazem parte da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, que durante anos foi degradada. A cobertura florestal na região é muito pequena. E, se não existe mata, não há água também. Esta condição é a mais propícia para o desaparecimento das nascentes.

O produtor que, durante anos, desmatou para aumentar a produção é, agora, um aliado para que esse quadro possa ser revertido. E vem, justamente desta região que está sofrendo com a falta d’água, um dos melhores exemplos de recuperação e conservação dos recursos hídricos: o “Olhos d’Água”, desenvolvido pelo Instituto Terra, em Aimorés, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo.

O programa tem como meta proteger milhares das mais de 300 mil nascentes da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Trabalho para várias décadas, que começou em 2010. Ao todo, 1.977 nascentes estão em processo de recuperação e 1.044 produtores rurais são atendidos pelo programa em 29 municípios no Vale do Rio Doce, sendo 21 em Minas Gerais e o restante no Espírito Santo.

Tudo começou quando o casal Lélia Wanick e o consagrado fotógrafo Sebastião Salgado decidiram transformar a antiga fazenda de gado da família, a Fazenda Bulcão, em um centro de recuperação da Mata Atlântica. “Eles começaram plantando árvore por árvore e o Instituto se transformou num exemplo para a humanidade. Quando você olha isso aqui, não imagina que tem mais de dois milhões de árvores aqui dentro”, conta Isabella Salton, diretora executiva do Instituto.

Pelos resultados e modelo de execução, o programa foi escolhido pela ONU-Água como uma das 70 melhores práticas para a recuperação e conservação dos recursos hídricos do planeta, e também recebeu o Prêmio ANA 2014 na categoria ONG – um reconhecimento da Agência Nacional de Águas do Brasil pela iniciativa considerada de excelência para garantir a oferta futura de água em quantidade e qualidade.

Joel Norato, 53, é um dos produtores envolvidos no programa. Ele tem um sítio no Córrego Lage, em Baixo Guandu, no Noroeste capixaba. Produz café conilon e banana. A nascente da propriedade fica no alto do morro. A água abastece a casa da família e também é utilizada na irrigação. “Se não tiver água, como vamos trabalhar, como vamos viver?”, questiona o produtor.

Apesar da atual falta de chuva, ele garante que a nascente nunca secou. “Aqui não falta água. Sempre tivemos muita água na propriedade”, ressalta Joel. Isso se deve à preservação do ‘olho d’água’. A nascente foi uma das primeiras a ser protegidas do pisoteio de animais. Foi cercada e identificada pelos extensionistas do Instituto Terra.

“A gente chega na propriedade, visita o olho d’água e, a partir daí, desenvolvemos um projeto para proteger a nascente”, explica Tiago da Silva de Jesus, técnico ambiental do Instituto Terra.

PARCERIA – A essência do programa Olhos D’Água passa pelo viés da educação ambiental, mobilizando as comunidades rurais e envolvendo o poder público e o Comitê de Bacia nos municípios atendidos. O programa tem o pequeno produtor rural como grande parceiro. É preciso cadastrar as nascentes das propriedades e assinar um termo de compromisso, tornando-se parceiro do projeto.

A partir daí, são feitos mutirões para cercar os olhos d’água, com os insumos sendo fornecidos pelo programa, que também doa as mudas de espécies de Mata Atlântica produzidas no Instituto Terra, para permitir o reflorestamento das áreas de entorno das nascentes. A proteção dos olhos d’água favorece a regeneração das matas, oferecendo ao solo condições suficientes para reter a água das chuvas e, consequentemente, aumentando a produção de água nas propriedades rurais.

“As nascentes são as fontes de alimento dos rios, no nosso caso, o Rio Doce. Elas vão criando fluxos de água que chegarão aos afluentes e depois aos mananciais. Quando a gente cuida da nascente, produz uma quantidade maior de água, o futuro das nossas bacias hidrográficas se torna mais luminoso”, ressalta a diretora executiva do Instituto Terra, Isabella Salton.

Outro produtor pioneiro na proteção de nascentes no noroeste capixaba é Romeu Binda, 74. “Eles (os extensionistas do Instituto Terra) chegaram lá em casa perguntando quem queria proteger as nascentes, lá em 2011. Eles olharam tudo e disseram que a nascente da minha propriedade era ideal. O Instituto Terra forneceu a madeira, o arame e as mudas para reflorestar ao redor do olho d’água. De lá pra cá, não mexemos mais. Nem os animais têm acesso a esta água. Hoje, eu estou muito satisfeito com o resultado”, afirmou Romeu.

O projeto contempla ainda a realização de diagnósticos da situação ambiental das propriedades rurais com o intuito de conhecer o atual uso e ocupação do solo e, ao mesmo tempo, indicando as necessidades de adequação ambiental para conservar a nascente.

Nos últimos anos, o programa Olhos d’Água se aperfeiçoou. Passou a adotar, a partir de 2017, tecnologia das estações de tratamento de esgoto (MiniETE) no lugar das fossas biodigestoras nas propriedade envolvidas no projeto. Para melhorar a infiltração de água no solo e agilizar a restauração das nascentes, também estão sendo instaladas Barraginhas – pequenas bacias escavadas no solo em forma de círculo ou meia-lua – para armazenar mais água no solo e, consequentemente, abastecer o lençol freático.

Outra novidade é a instalação de painéis solares. O produtor atendido pelo programa ganha um sistema de energia solar com quatro painéis solares e são capazes de produzir 200 quilowatts/hora. Mais uma maneira de ajudar o meio ambiente.

“O papel do produtor é fundamental para o sucesso desse programa. Só ele sabe onde estão as nascentes. Então, quando nós conseguimos mostrar a importância deste trabalho para o produtor rural, ele se torna um defensor ferrenho do meio ambiente porque ele sabe que, se não tiver água, ele não vai ter nada, ele não vai ter futuro, ele não tem esperança, nem ele nem nós. O produtor rural precisa ser muito valorizado. Porque sem ele a gente não faz nada”, finaliza Isabella.

COMO PRESERVAR UMA NASCENTE?

De acordo com o novo Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012), deve-se preservar uma borda de 30 metros no entorno da nascente e contar com técnicas de recomposição, como regeneração natural da vegetação nativa e plantios de árvores nativas.

O primeiro passo para a revitalização de uma nascente é o seu isolamento com cerca que tenha, pelo menos, o último arame (na parte de baixo) liso e colocado acerca de 70 centímetros do chão, para permitir o trânsito de animais silvestres. Por se desenvolverem bem em solos úmidos, espécies arbóreas nativas utilizadas para a recomposição de matas ciliares, como os ingás, são recomendadas para a proteção de nascentes.

Outra prática com bons resultados nos plantios de árvores nativas é o condicionamento das covas em que as mudas serão introduzidas, especialmente em áreas em estágio avançado de degradação.Como os processos de recuperação e conservação são complexos, aconselha-se a assessoria de técnicos especializados.

Ações ambientais de cooperativas ajudam a preservar o planeta

Um dos sete princípios do cooperativismo é o Interesse pela Comunidade, que se refere à responsabilidade socioambiental, instruindo as cooperativas a respeitar as peculiaridades sociais e a vocação econômica do local onde estão instaladas, assim como, a desenvolver soluções de negócios e apoiar ações humanitárias e socioambientalmente sustentáveis.

Ou seja, as instituições têm como princípio uma atuação que favoreça a comunidade e o meio ambiente, o que implica, entre outras coisas, em ter uma atitude ecologicamente responsável, adotando práticas de preservação e de melhoria ambiental.

No Espírito Santo, as cooperativas adotam ações de preservação de nascentes, descarte consciente, bem como programas de conscientização com os cooperados. Uma iniciativa apoiada pela Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Bacia do Cricaré (Coopbac) e desenvolvida pela Associação Empresarial do Litoral Norte do ES (Assenor), em São Mateus, norte capixaba, ajuda produtores rurais a proteger nascentes na região. “Envolver os cooperados nestas ações é muito importante. Sem água, não conseguimos produzir nada. Eles receberam a iniciativa muito bem”, lembra Erasmo Carlos Negris, presidente da Coopbac.

Até o momento, 16 nascentes já foram protegidas e 2.288 mudas de espécies da Mata Atlântica plantas ao redor dos olhos d’agua. “Temos que despertar a conscientização ambiental em toda a comunidade. Temos parceiros importantes neste trabalho: a cooperativa, o Incaper, o Ceunes, o Sindicato Rural, Fibria, e outros. Estamos muito satisfeitos com os resultados alcançados, já que há muitos voluntários envolvidos”, ressalta Welington Secundino, engenheiro agrônomo do Incaper. 

Outra ação importante de preservação de nascente é desenvolvida no Sul do Espírito Santo pela Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul), em Muqui. O trabalho desenvolvido, há quatro anos, é semelhante ao Programa Olhos d’Água, do Instituto Terra. Com recursos concedidos pela Fundação Banco do Brasil, a cooperativa forneceu estaca e arame para que os produtores cercassem as nascentes das propriedades rurais. A aceitação dos cooperados foi imediata.

“Cercamos 40 nascentes. Demos o material e o produtor entrou com a mão de obra. Esses dias, passei numa propriedade em que realizamos o trabalho e não acreditei no que vi. O que antes era um pasto aberto, se transformou numa floresta”, conta Renato Theodoro, presidente da Cafesul.

O resultado foi acima do esperado. Além da proteção das nascentes e recuperação das áreas de preservação das propriedades, os cooperados construíram 420 caixas secas – reservatórios construídos às margens das estradas para captar as águas de chuva. “Não houve desperdício algum. Toda a terra retirada da escavação das caixas secas fora utilizada para ajudar na restauração de estradas rurais do município.”, ressalta o presidente.

EXPERIÊNCIA EXITOSA – A Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé), em Minas Gerais, que atende também cafeicultores do sul capixaba, realiza ações de preservação ambiental junto aos seus cooperados. Um dos trabalhos é o recolhimento de embalagens de defensivos agrícolas usadas nas lavouras de café.

“A Coocafé, dentro do seu plano socioambiental, visita os cooperados e orienta para que eles cumpram com a legislação e façam o recolhimento deste material. Com isso, eles protegem a natureza e cuidam da própria saúde”, explica Flávio Gomes, consultor técnico da cooperativa.

A legislação brasileira, através da Lei 12.305/2010 trata do descarte de embalagens vazias de defensivos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu como instrumento de desenvolvimento econômico e social a implantação de sistemas de logística reversa. O sistema consiste em um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para aproveitamento em seu ciclo produtivo, ou para destinação final ambientalmente adequada, conforme a lei.

Quem participou de uma das ações de recolhimento de embalagens organizado pela cooperativa foi o produtor Antônio Miguel da Silva, de Brejetuba. “Isso é bom pra gente e para a natureza. Ajudar o meio ambiente é mais um ponto positivo que a cooperativa nos incentiva”, diz.

Mas esta não é a única ação de sustentabilidade desenvolvida pela Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha. Desde 2016, o Programa “Água”, tem conscientizado e ajudado cooperados a transformarem a região em que vivem em um ambiente mais sustentável. Centenas de caixas de contenção e fossas sépticas já foram entregues. Além de nascentes preservadas. O Sicoob Credicaf, a Nestlé e a Sucafina são parceiros da iniciativa. 

“Esse projeto é importante, pois não abrange só cooperados da Coocafé, mas também a comunidade. O objetivo é realmente incentivar o cooperado a ter uma propriedade mais sustentável com essas três linhas de pensamento, que é ter fossa séptica para ter mais qualidade de vida, ter as caixas de contenção para reter água para os lençóis freáticos, tendo assim uma produção na lavoura mais eficiente e também a preservação e a conservação das nascentes, para cuidar da parte do meio ambiente e o uso devido da água”, revela Ailton Ribeiro, analista de desenvolvimento cooperativista.

A proteção ao meio ambiente é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem ser implementados por todos os países do mundo até 2030. Por isso, o tema é muito importante. “Os cuidados com o meio ambiente deve ser papel de todos: órgãos públicos, privados, ongs e demais instituições. É por isso que nós tentamos envolver as famílias nas ações de sustentabilidade da Coocafé. São ações simples, fáceis, de baixo custo, mas que vão trazer um resultado coletivo. Com a colaboração de todos teremos mais sucesso. Quem ganha com isso não é somente o meio ambiente, mas sim todos nós”, finaliza Pedro Araújo, diretor de produção da Coocafé.

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