Produzir leite sem emitir carbono é a meta de pecuaristas brasileiros

Foto: Freepik

Texto: Julio Huber

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A história da pecuária no Brasil começou há quase 500 anos, no ano de 1532, quando Martin Afonso de Souza trouxe as primeiras 32 cabeças de gado ibérico ao país. A primeira vaca ordenhada de que se tem notícia data do ano de 1641, no Recife (PE).

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Desde então, a pecuária no Brasil cresceu, evoluiu e hoje está presente em cerca de 98% dos municípios brasileiros. O país produziu 34,6 bilhões de litros de leite em 2022, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Da criação rudimentar do século 16 à produção tecnificada dos dias atuais, muita coisa mudou na pecuária brasileira. Aliar práticas sustentáveis em uma propriedade ao uso de tecnologias é uma tendência atual para quem busca aumentar a produção e agregar valor aos produtos. Na pecuária, fazer manejo de pastagens, manter áreas de florestas, formular uma dieta com produtos adequados e sustentáveis e utilizar genética superior são exemplos para tornar uma pecuária mais eficiente e sustentável.

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Luiz Gustavo Ribeiro Pereira conta que a pecuária pode ser dividida entre a 1.0 e a 5.0. Na primeira fase, entre 10 mil a.C até 1920, a atividade era essencialmente manual e arraigada em tradições locais em pequenas propriedades, com diversidade de culturas e animais.

De lá para cá, muita coisa mudou, e na pecuária 3.0 e 4.0 – que são as fases atuais – se produz com automação e sustentabilidade, usando diferentes tecnologias. “Esse é um processo de evolução para tudo. Ela vem atrelada à tecnologia. E vimos isso no nosso dia a dia. Tínhamos uma televisão simples, hoje temos uma smart, com internet”, comparou.

O professor enfatizou que a evolução tecnológica é importante para se produzir melhor. “Mas, uma evolução de conceito, cultural e até mesmo espiritual talvez seja mais importante. Quando passamos a produzir um alimento respeitando o meio ambiente, com baixa emissão de gases efeito estufa, temos uma história, temos valor efetivo junto com os alimentos. E isso acontece quando se produz com bons índices econômicos e ambientais”, disse Luiz Gustavo.

E esses são temas cada vez mais em evidência nos dias atuais:  produção de leite de baixo carbono, pecuária regenerativa e manejo de precisão. A necessidade de preservação ambiental e de redução da emissão de gases efeito estufa fez com que pesquisadores buscassem alternativas para tornar a produção ainda mais eficiente em todos os sentidos, incluindo o ambiental.

Diante dessa evolução da pecuária e buscando levar alternativas aos produtores, foi realizada a primeira edição do Seminário RS Carbon Free, em Esteio, no Rio Grande do Sul, no final do último mês de agosto. O evento foi promovido pelo Sindicato das Indústrias de Laticínios do RS (Sindilat/RS) e pelo Sebrae/RS. O evento reuniu produtores, pesquisadores, professores, estudantes e representantes de entidades públicas e privadas.

Foto: Sindilat/RS

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Luiz Gustavo Ribeiro Pereira é um entusiata na pecuária com redução de carbono

O pesquisador Luiz Gustavo Ribeiro Pereira foi um dos palestrantes. Ele enfatizou a necessidade da preservação ambiental. “Nessa evolução e no aumento de produção no decorrer dos anos, foi usada muita tecnologia e insumos. Agora, vencendo essa barreira de produzir em quantidade, não basta ter o alimento, mas é preciso produzir de forma sustentável e muitas vezes regenerativa, melhorando o ambiente em que se produz. Essa é a evolução que eu considero a mais importante”, afirmou.

Nesse processo evolutivo do setor, a Embrapa teve um papel importante a partir de sua criação, na década de 1970, quando novos números passaram a marcar a atividade leiteira no país. A produção, que era de 8 bilhões de litros/ano, saltou para os atuais 34,6 bilhões. A produtividade média por vaca inferior a 700 litros é hoje três vezes maior e o consumo passou de 75 para 150 litros/habitante/ano.

“A produtividade dos animais praticamente triplicou nos últimos 20 anos, assim como os nutrientes do leite. E isso dá uma maior conversão para o leite em pó e para o queijo”, garante o secretário executivo do Sindilat/RS, Darlan Palharini. O dirigente do Sindicato comenta que os pecuaristas do Estado têm uma consciência ambiental e buscam constantemente por melhorias nas propriedades.

“Se o produtor não tiver o meio ambiente a seu favor, ele certamente terá redução da produtividade. Até a falta de sombra nos pastos interfere negativamente. Se não tiver um solo produtivo, a alimentação também fica precária”, pontuou Darlan.

“Ainda temos produtores que não adotam tecnologias sustentáveis e que não utilizam práticas adequadas, mas esse produtor vai deixar a atividade. Quem está preservando, está ficando, e vendo que é possível produzir cada vez mais. Essa mentalidade está mudando”, completa o pesquisador Luiz Gustavo Ribeiro Pereira.

Leite verde é a evolução da pecuária mundial

Buscando mecanismos para tornar a produção de leite com cada vez mais equilíbrio ambiental, o Rio Grande do Sul caminha para instituir um selo verde para as cadeias de produção de proteína animal, uma iniciativa do Sindilat/RS, juntamente com o governo do Estado, Embrapa e demais parceiros. A confirmação para a certificação aconteceu ao final da primeira edição do Seminário RS Carbon Free.

Foto: Sindilat/RS

Darlan Palharini, secretário executivo do Sindilat/RS, enalteceu a criação do selo verde para a pecuária

“Em diversas fases, muitas ações para o equilíbrio nas emissões já vêm sendo adotadas. O objetivo do selo é colocar tudo isso dentro da metodologia da Embrapa. Faremos isso em parceria com o Governo do Estado e com as entidades representativas da pecuária de corte, grãos e leite”, destacou o secretário executivo Sindilat/RS, Darlan Palharini.

A iniciativa se alinha ao trabalho desenvolvido pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (SEMA), que já realiza uma tabulação de dados que permitirá determinar métricas para ações de descarbonização. De acordo com a secretária Marjorie Kauffmann, o Estado busca definir essas métricas até o final deste ano.

Palharini enfatizou que é necessário buscar cada vez mais eficiência de produção para reduzir a emissão de gases. “Quando se reduz a emissão de gases, a eficiência da fazenda aumenta. Assim como as propriedades certificadas livres de tuberculose e brucelose, certificá-las como baixas em emissão de gases dá um reconhecimento nacional e internacional e mostra o respeito ao meio ambiente”, comentou o secretário executivo.

A região Sul do Brasil é o líder na produção de leite no país, com uma participação de 33,8%, seguido de perto pelo Sudeste com 33,6%. O Rio Grande do Sul é o 3º Estado com maior produção de leite.

“A pecuária leiteira está presente em quase todos os municípios do Estado. O setor tem um efeito muito importante na economia. Cada R$ 1 investido é revertido em R$ 13 na economia. E diferente de muitos setores, pois essa é uma renda que fica nos municípios”, informou  Palharini.

COMPROMISSO – A redução de carbono no Estado é o principal assunto que o governador Eduardo Leite está levando para a 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que será realizada de 1º a 5 de novembro, em Glasgow, na Escócia.

“Assumiremos o compromisso de trabalhar para neutralizar as emissões de carbono do nosso Estado em 50% até 2030 e agir para neutralizar as nossas emissões até 2050. Esses compromissos estão em sintonia com o que o Brasil assumiu no âmbito do Acordo de Paris e tem como objetivo mobilizar entes nacionais e subnacionais, empresas e instituições, no sentido de minimizar os efeitos das emissões sobre o clima global”, afirma o governador, em vídeo divulgado nas redes sociais.

Líderes de todo o mundo estarão reunidos na COP 26 para avaliar o que foi feito desde o Acordo de Paris, marco nas negociações sobre o clima e assinado por quase 200 países na COP21, em 2015. Assista abaixo ao vídeo divulgado pelo governador do Rio Grande do Sul.

O secretário executivo do Sindilat/RS enalteceu a iniciativa do governo estadual em buscar mecanismos para transformar o assunto como política de Estado. “Há alguns projetos no Brasil que visam a redução da emissão de carbono, mas desconheço um Estado que abraçou essa causa. Esse passo que o Rio Grande do Sul está dando é importante porque une também a pecuária de corte e produção de grãos. Somente a com pecuária de leite, sem os produtores de grãos também preocupados com o tema, não alcançaríamos o sucesso esperado”, garantiu Darlan.

Pesquisas acadêmicas comprovam benefícios da preservação ambiental

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diversos trabalhos têm sido feitos em busca de maneiras para reduzir a emissão de gases na atmosfera pelas propriedades rurais. O professor Paulo César de Faccio Carvalho, titular do Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da instituição, destaca o empenho acadêmico sobre o tema.

“Nos últimos anos estamos trabalhando com uma equipe multidisciplinar em diversos fatores, como o manejo do solo, dos animais, das plantas forrageiras e com os sistemas de produção em geral. Medimos cada componente de forma bastante científica e publicamos trabalhos nesse sentido”, informou.

Foto: Sindilat/RS

O professor Paulo César de Faccio Carvalho coordena trabalhos sobre redução das emissões de carbono na pecuária

O professor destacou que todas as ações no sentido de reduzir as emissões de carbono, estão na mesma direção que a busca pelo aumento de produtividade e de sustentabilidade. Ele citou o pastejo rotatínuo como uma técnica usada no Rio Grande do Sul e que está se espalhando pelo país como exemplo.

“Esse é um conceito de manejo de pastagem diferente do que vinha sendo conduzido.  O manejo do pasto é ditado pelos animais. A consequência disso é uma ingestão de pasto diferente em relação aos sistemas antigos. Alguns experimentos mostram uma diminuição significativa da emissão de metano. Além desse, há o plantio direto e outros que devem ser trabalhados em conjunto nas propriedades”, sugeriu.

Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) reduz custos e aumenta produtividade de fazendas

Foto: Divulgação

A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta na Fazenda Flor Roxa foi iniciada há quase 20 anos pela família Vellini

Um dos sistemas bastante usados no Brasil é o Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). No país, cerca de 17,4 milhões de hectares de área produtiva são destinados ao sistema, que contribui com a conservação da biodiversidade brasileira. Um exemplo é a Fazenda Flor Roxa, da família Vellini, no município de Jardim Olinda, no interior do Paraná.

Há quase 20 anos a família adotou a ILPF como estratégia de produção, que otimiza espaço nas propriedades rurais, pois integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área.

A Fazenda Flor Roxa tem aproximadamente 400 hectares usados na integração soja/milho com a pecuária, além de espaço para rotação de soja com cana-de-açúcar e plantio de eucalipto. Mas, nem sempre foi assim. A fazenda, adquirida em 1986 e gerida pelos produtores César Vellini e Vitor Vellini – pai e filho – começou apenas com reforma de pastagem, em 1994, quando rotacionavam algumas culturas, como milho e milheto. Só em 2006 é que a ILP teve início na propriedade.

Após a colheita do milho entra o gado na área para aproveitar a palhada de Brachiaria, em seguida os animais são retirados e é feita a dessecação para entrar com soja. “Recuperamos 25% da área total a cada três anos, e assim vamos fazendo mais rotação e o sistema de integração contínuo”, diz César.

Foto: Divulgação

A plantação de eucalipto fornece sobra ao rebanho bovino em dias de sol quente

Além de soja, milho e pecuária, a propriedade arrenda uma parte para plantio de cana-de-açúcar. “Para nós, os benefícios da ILPF são inúmeros, temos aumento da produtividade, qualidade do pasto, ganho de peso do animal, melhora na qualidade do solo e renda na propriedade”, explica o agropecuarista, que estudou agronomia e conduz o negócio todo em família.

SOMBRA – Na Fazenda Flor Roxa, a produção de grãos e a pecuária têm em seu entorno o eucalipto, com cerca de 25 quilômetros da espécie. “Os talhões da fazenda são divididos e próximo aos piquetes do gado temos o eucalipto com espaçamento em fileiras duplas”, descreve Vitor.

A sombra das árvores proporciona para o gado um maior conforto, já que na região do Paranapanema o clima é quente. “A partir de sete anos já dá para vender esse eucalipto. Faz parte da renda, mas como o visual é bonito, além de dar conforto térmico para os animais, nós não tiramos até o momento. Temos um silo de armazenagem de grãos na fazenda também e só com as partes que caem ou morrem do eucalipto já conseguimos alimentar o secador o suficiente”, conta.

O produtor detalha ainda que quando iniciaram a integração entre os três sistemas na propriedade, contaram com o apoio e incentivo da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, de Maringá (PR). “Começamos em um projeto deles em parceria com a Embrapa. Foram na fazenda nos apresentar e meu pai, que sempre foi de mente aberta, ficou tão entusiasmado que resolvemos participar e separamos uma área. Com o tempo, aprendendo nela, a implantação do sistema foi crescendo e hoje chega a praticamente 40% da fazenda. A Cocamar foi pioneira na difusão destas tecnologias em todo o território em que ela atua, e é nossa parceira até hoje”, relembra.

Especialistas visitam propriedades rurais e avaliam ações para redução de gases de efeito estufa

Desenvolvido por empresas que atuam no setor de pecuária e parceiros institucionais, o Confina Brasil tem circulado regiões que se destacam na pecuária em todo o Brasil. Em 2023, foram visitados 12 Estados brasileiros. No mês de outubro, e equipe da pesquisa-expedicionária promovida pela Scot Consultoria visitou propriedades no Rio Grande do Sul.

Em Mato Grosso do Sul (MS), confinamentos que valorizam e cuidam da qualidade da água fornecida aos bovinos foram destaque nas visitas, além de propriedades reconhecidas pelo comprometimento na luta para redução de emissão de gases nocivos à atmosfera, assim como atenção máxima à composição da dieta dos bovinos, com investimento em insumos alimentares de qualidade.

Um exemplo é a fazenda Santa Vergínia, localizada em Bataguassu (MS). O confinamento realizado na propriedade é um dos primeiros do país a ser reconhecido como projeto carbono neutro. “Isso quer dizer que a propriedade faz uso de manejos que visam a redução e compensação da emissão de gases, equilibrando a balança”, diz Diego Rossin, médico veterinário e técnico do Confina Brasil.

Foto: Bela Magrela

O gado da fazenda Santa Virgínia fica em uma propriedade de 30 mil hectares

Além disso, a Santa Vergínia também chamou a atenção pelo seu tamanho: são 30 mil hectares próprios, ou 300 quilômetros quadrados. A fim de comparação, a cidade de Paris conta com 105,4 quilômetros quadrados. Com isso, a propriedade tem quase três vezes o tamanho da capital francesa. “Desses impressionantes 30 mil hectares, 12 mil são destinados apenas à pastagem, já que boa parte dos bovinos são terminados no sistema de Terminação Intensiva a Pasto (TIP). Outros 8 mil hectares da propriedade se enquadram como Integração Pecuária-Floresta (IPF)”, informa Diego.

Em Ribas do Rio Pardo (MS), cidade que abriga a Fazenda Cachoeirinha, o destaque foi para a composição da dieta. “Os gestores optaram pela utilização de feno como volumoso na alimentação do rebanho. Para fornecer o que há de melhor para a engorda e desenvolvimento de carcaça do gado, os proprietários investem pesado nas soluções nutricionais da Nutron, que compõem grande parte dos insumos alimentares”, diz Jayne Costa, zootecnista e técnica do Confina Brasil.

Em 2023, o Confina Brasil tem apoio da Casale, Elanco, FS Bioenergia, Nutron, Associação Brasileira de Angus, Mitsubishi, Embrapa Pecuária Sudeste, Embrapa Agricultura Digital e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).

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Julio Huber

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